quarta-feira, 25 de março de 2009

Comprei felicidade a prazo e não tive forças para pagar

Estava com sede. Andava por aquele deserto sufocante fazia dias e há horas e horas não tomava um copo de água. Começava a rastejar: doía me manter em pé. Eu precisava continuar me movendo, afinal, sair daquele inferno só dependia de mim.. E, para chegar a algum lugar, se faz necessário seguir o caminho.
Avistei uma construção no horizonte. Ao me aproximar, a placa neon revelou uma grande lanchonete. 'Água', pensei. Naquele momento, não me importava que eu estivesse sem emprego, que precisasse de remédios para minha mãe doente, que pilhas de contas me esperassem na porta do que um dia foi minha casa. Não me importava nem mesmo com as impiedosas chibatadas que levaria como castigo por contrair tantas dívidas.
Sem medo ou vergonha, entrei na lanchonete. Pedi uma água gelada e esperei por ela sentada em um sofá macio, sentindo o ar frio em meu rosto. Nada era relevante para mim, além do líquido que invadia meu corpo, que fazia cada uma de minhas células pulsarem de felicidade. Paguei com o cartão de crédito e continuei minha caminhada, sonhando com a próxima vez que teria água só para mim. E fingindo não saber o horror que me esperava na próxima semana, quando pagaria por cada um de meus erros.
.
.
.
(toda a alegria que me invade ao te ver (ter?) não vale a dor infinita que sinto quando tu parte)

sexta-feira, 20 de março de 2009

O sol que voltou a brilhar - e espero que nunca pare

Eu estava comendo cachorro quente com meu irmão. Cheio de batata palha, que ia despencando a cada mordida. Estávamos sentados na calçada, conversando: será que vão nos escontrar aqui? será que deveríamos ter avisado que viemos comer?
Foi enquanto procurava pelo carro do meu pai que eu te vi passar do outro lado da rua, correndo. Não entendi o porquê da pressa. Foi meu irmão quem disse 'deve estar com medo da chuva'. É verdade, o céu estava preto, as nuvens iam formando um teto apavorante para as pessoas que aproveitavam aquela tarde de sábado. Mesmo assim, sem me importar com os raios que logo viriam, resolvi gritar teu nome. Ouviu, parou, virou: me viu. E continuou correndo, correndo, correndo... fugindo?
.
.
Acordei nervosa. Atordoada, girei na cama e te vi, dormindo de um jeito lindo. Lá fora, nem sinal das nuvens escuras que até pouco me apavoravam - o sol entrava pela janela iluminando teu rosto. Te dei um beijo e voltei a dormir.
.
A realidade pode, sim, ser melhor que um sonho.



:)

terça-feira, 17 de março de 2009

as luzes da cidade

Marina ia à chacara de seus avós todo fim de semana. Gostava de lá, de tudo que podia fazer e de quanto brincava. Corria com os cachorros, seguia as borboletas e sempre queria andar no cavalo - mas tinha medo! Marina era acostumada com seu apartamento pequeno no oitavo andar, de onde podia ver as luzes da cidade todas as noites. Por isso foi estranho quando, aos seis anos, viu pela primeira vez um vagalume na chácara. Aquela luzinha voava tão bonito, era impossível não se encantar. Seus olhos brilharam como nunca e coreu pra casa contar pra sua mãe. A avó que ouvia a conversa riu, disse que eles sempre apareciam atrás da casa. A partir disso, todas as noites Marina sentava quietinha em um degrau da escada dos fundos, esperando o vagalume aparecer. Não queria ele só para ela, contentava-se em contemplar toda aquela beleza, com um sorriso no rosto.

Quinze anos depois, Marina vive tudo isso de novo. No meio de tantas luzes descaradas - comuns na sua vida - encontrou um vagalume. Tão bonito, tão diferente de tudo, de todos. De sua cadeira nos fundos da sala, Marina se sente como no degrau de tanto tempo atrás. Só observa. E sorri.

(o brilho nos olhos é o mesmo)

domingo, 1 de março de 2009

escolhas

Desde pequena, Gabriela sempre ouviu a avó dizer que nossas decisões revelam quem somos realmente. Não entendia muito bem o que a frase queria dizer em sua plenitude, mas gostava de pensar sobre isso. O tempo passou - recheado de escolhas - e Gabriela não tem mais oito anos. Mas continua a pensar nas palavras da senhora que a pegava no colo e cantava com uma voz suave.
Hoje, Gabriela levantou os braços aos céus - mesmo estando no interior de um apartamento escuro - e decidiu não servir o jantar. Decidiu, também, impedir que os fantasmas do passado e presente a impeçam de dormir. Decidiu tudo isso abandonando o ferro com que passava a roupas dele, tirando cuidadosamente o aparelho da tomada.
Abriu a porta e foi embora.

a parede branca nunca pareceu tão suja

Doía vê-lo assim, tão lindo, escorado naquela parede.
Difícil admitir, mas foi o inferno que havia nele que a atraíra. As roupas rasgadas, o cigarro no canto da boca e o olhar meio de canto, desafiador. Ela sempre gostou de desafios: ele vai ser meu, pensou logo que o conheceu. E agora, após tantos anos, depois de sentir na pele a dor que o inferno causava, ela voltava a vê-lo.
Sentir na pele não foi o pior daquele relacionamento conturbado, o que doeu mesmo foi sentir na alma. O estômago ainda se contraía ao lembrar dos tapas e chutes que as palavras e atos dele tinham o poder de fazâ-la sentir. Era raiva, sim, mas - acima de tudo - era amor. Um amor doentio, digno de estudo. Um sentimento que só fazia mal, não é fácil reconhecer.
Mas ela teve certeza de que ele reconheceu os restos da paixão tão bem escondida quando olhou em seus olhos ao acender seu cigarro. O olhar deixou de ser de canto, penentrou na sua alma e esculhambou tudo o que estava nas prateleiras do seu coração, tão bem organizado. Tantos anos dedicados a essa arrumação!
Doía vê-lo assim, tão lindo, escorado naquela parede.
Uma mistura de nojo e paixão, foi o que ela sentiu. Ódio de si mesma, foi o que me pareceu - vendo a cena de longe.
Doía vê-lo assim, tão lindo, escorado naquela parede.
Tão lindo, tão errado, tão seu que um dia foi.
E nunca mais será.